Do descobrimento ou invasão









Texto por @marinoyargo
Ilustração por @fel_coutinho

 
1.      Lá vem um navio”, com essa frase Manduka começa a música que tem como título “Brasil 1500”. O que ele faz é pintar um cenário. O pano de fundo é o descobrimento, ou melhor, o processo de invasão dos portugueses do território que mais tarde viria a ser conhecido como Brasil. No primeiro momento da música, os acordes são “pesados”, extraindo da sensação os sentimentos de tristeza e desolação de um acontecimento que produziria um derramamento de sangue.

2.      Assim “lá vem um navio” seria o prenúncio de toda a destruição propagada pelo processo de colonização. Toda colonização tem dois fundamentos, que se confundem propositalmente, para que um possa revestir os assassínios por um bem maior. Por trás da exploração de territórios - que é o objetivo principal – o que confere ares de legalidade para um processo como esse é o que se convém chamar de “avanço civilizatório”.

3.      De territórios múltiplos e singulares, com seu funcionamento próprio, e seus modos de vida, pouco a pouco se constrói uma nação. Tentativa de constituir uma totalidade, e com isso apagar toda a multiplicidade, instituir tudo aquilo que vai ser considerado um modo de vida civilizado. Todo o processo civilizatório tem uma moral de salvação que lhe é própria. Religião, instituições, escolas, maneiras, tudo muito bem definido, construído como verdade na forma de habitar a terra.

4.      “É um soldado português olhando o lar como se fosse seu”, frase exemplar da prepotência característica daqueles que consideram esse evento como uma descoberta. O marcador da existência passa a ser a referência ocidental, então só existe aquilo que por eles for conhecido e mapeado.

5.      Nesse modo de existência ocidental tudo é reduzido, tudo vira propriedade. Não pode existir nada que, sendo considerado valioso, esteja fora do reino das propriedades. Enquanto uns habitam o território e deles fazem partes, esses outros (ocidente branco) fazem do território sua propriedade e vão dele extrair por exploração tudo que lhes convém. A natureza é assim um objeto que aqui está para servir ao homem.

6.      O que é um ato de demarcar fronteiras se não a tentativa de cristalização do que é fluído. Tirar a fluidez da natureza, interromper os movimentos. E as fronteiras são fundamentais para o mundo ocidental, são elas que permitem a consolidação das nações.

7.      Nessa canção são feitas algumas passagens rítmicas e melódicas que querem se conectar aos sentimentos e propor um desenvolvimento, uma narrativa, que parece cobrir o descobrimento, mas também a resistência. A música acelera, as palavras complementam a história da dominação e da pequenez do modo de vida português e de sua realeza.

8.      A melodia carrega elementos rítmicos latinos e africanos, que em alguma medida são como chamamentos para uma insurgência. Insurgência do corpo e do pensamento que se realiza através da dança, da arte, da música. Através da experimentação incessante conjurar as forças de dominação, essa parece ser a mais bela tarefa de arte e do pensamento. 

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